José Lourenço de Sousa Neto*
“Quando conheço pessoas que alcançaram um grande triunfo, digo-lhes que espero que esse triunfo não lhes seja demasiado doloroso.” ( C. G. Jung)
O
sucesso tem sido o ópio dos tempos atuais.
Por
toda parte, encontramos pessoas diversas, ansiosas por alcançá-lo. Não há
privilégios para cultura, posição socioeconômica ou idade.
Na
salas de aula, pululam alunos que não veem a hora de terminar a formação, para
terem sucesso na vida profissional. Em cursos e treinamentos, instrutores, que
mais parecem animadores de torcida ou pregadores de estranhas seitas, perguntam
provocativamente: “Quem, aqui, quer ter muito sucesso na vida?” E a galera
responde ensandecida, a plenos pulmões: “Eu!”.
Nas
entrevistas profissionais, a realidade não é outra: todos querem o sucesso.
Em
princípio, nada contra o sucesso, especialmente considerando que ele significa
“bom resultado; triunfo”, como nos ensina o dicionário. Mas bom resultado de quê? Triunfo sobre o quê?
“Sucesso”
está na mesma categoria de “felicidade” – todos querem, mas poucos sabem dizer
o que é. E um número ainda menor se dá ao trabalho de refletir sobre o que quer
debaixo do rótulo de “bem sucedido” ou “feliz”. Não é de espantar, portanto,
que muitos dos que alcançam o marco (que pode ser um êxito profissional, a
aquisição de algum bem de alto valor, a obtenção de algum símbolo de status, o diploma de um curso...) que
lhes indica terem chegado ao sucesso ou à felicidade, param, decepcionados, e
exclamam: ─ “Mas, é isso?! Lutei
tanto para isso?! E agora?”.
O
que deveria ser uma comemoração torna-se rapidamente na frustrante constatação
de que o falso brilhante não vale, nem de longe, o sacrifício feito: a saúde
comprometida; amigos atropelados e deixados pelo caminho (quando não
convertidos em inimigos); família desfeita; o bem insubstituível da juventude
escoado pelo ralo; as oportunidades valiosas malversadas; etc.. A tristeza
invade a festa e pode trazer consigo a depressão.
“O
sucesso nem sempre é o prêmio cintilante que parece ser”1,
principalmente quando quem o busca comporta-se como mariposa deslumbrada em
torno da lâmpada (lembrou-se de Adoniran Barbosa e sua imortal “As mariposa”?)
– sem saber do que se trata, nela pousa... e morre. À custa de vida descarrilada, muita gente tem se
atirado ao mar, na doce ilusão de abraçar sereias de doce canto.
Normalmente,
quando se dão conta do logro, é tarde. A energia e o tempo para a retomada são
escassos.
No
terreno profissional, o “desencanto com a carreira” é frequente. A profissão
não tem aquele glamour que se
imaginava. Mesmo com remuneração considerável, não preenche um vazio existencial que o indivíduo não
sabe explicar bem o que é. Alguns se apercebem disso próximo da conclusão de um
curso superior – vão botar a mão num diploma sobre o qual não pararam para
pensar lá atrás, quando fizeram a escolha. A opção pode ter sido seguir a manada (“a maioria dos meus
amigos vai fazer esse curso, então também vou!”); ou curvar-se à famigerada saga familiar (“venho de uma longa
linhagem de militares e não vou fugir ao meu destino!”); ou submeteram-se ao
sonho do papai ou da mamãe, que queriam o filho médico ou
engenheiro, para satisfação de suas próprias frustrações ou vaidade, sem se
importarem com as reais aspirações do filho ou filha.
Seja
lá o que for, é sempre uma questão de escolha. E quem discordar (“não tive
alternativa – fui obrigado a optar por isso” – se optou é porque teve opção,
ou estamos diante de uma contradição em termos) pode estar apenas subestimando
a própria inteligência. Não é por outra que Sartre foi categórico: “Estamos
condenados à liberdade!”.
Muitas
vidas rolam apenas por inércia, ao
sabor dos acontecimentos. Há quem mais vegeta do que vive plenamente (se bem
que vegetar é uma forma de viver – é,
mais uma vez, uma questão de escolha!), mas não tem a coragem de encarar a
própria nudez.
Já
me deparei, em empresas, em salas de aula, em atividades de coaching, com jovens ansiosos por
passarem num concurso público. Questionados sobre o móvel desse desejo, as
respostas costumeiramente são:
“Com
um salário garantido e sem o risco de ser demitido, vou ficar tranquilo” (esses
não se questionam como poderão ser úteis socialmente – querem ficar tranquilos, e só!).
“Ah!
Vou poder ir ao cinema, ao médico na hora em que bem entender Se escolher tirar
uma tarde ou mesmo um dia para descansar, quem vai me impedir?”
“Resolvida
a questão da minha sobrevivência, vou poder cuidar do meu futuro” (para esses,
o futuro não é algo que se constrói desde já, mas sim quando chegarem lá; não
se dão conta de que ao tomarem posse no cargo podem estar desembarcando no próprio futuro).
“Vou
poder fazer o que quero da minha vida!” (mas não sabem o que querem da vida...).
Pari passu com essas vidas
sem sentido, há a armadilha que as empresas, em especial as grandes corporações
– que têm cacife para isso –, põem ao redor dos funcionários. Facilidades das
mais diversas naturezas, tecem o ninho do qual é dificílimo escapar. Gareth
Morgan tem um excelente capítulo sobre isso – “Explorando a caverna de Platão:
as organizações vistas como prisões psíquicas”2. São dele as tristes
constatações:
“Os
seres humanos possuem uma inclinação toda especial para caírem nas armadilhas
criadas por eles mesmos. (...) As organizações são fenômenos psíquicos, no
sentido de que são processos conscientes e inconscientes que as criam e mantêm
como tais com a noção de que as pessoas podem, na verdade, tornar-se confinadas
ou prisioneiras de imagens, ideias, pensamentos e ações que esses processos
acabam por gerar.
(...)
As organizações e seus membros podem ficar emaranhados em armadilhas
cognitivas. Pressupostos falsos, crenças estabelecidas, regras operacionais sem
questionamento e numerosas outras premissas e práticas podem combinar-se para
formar pontos de vista muito estreitos do mundo que fornecem tanto uma base,
como uma limitação para ações organizadas. Enquanto criam um modo de enxergar e
sugerem uma forma de agir, tendem também a gerar maneiras de não ver e de
eliminar a possibilidade de ações associadas e visões alternativas da
realidade.
(...)
Os seres humanos vivem suas vidas como prisioneiros de suas próprias histórias
pessoais.
(...)
A dimensão invisível da organização (...) pode engolir e aprisionar as ricas
energias das pessoas envolvidas no processo organizacional.”
Quem
viu o filme “Um Sonho de Liberdade”, com Tim Robbins e Morgan Freeman, vai
entender o que o autor fala no episódio do prisioneiro que, após 30 anos de
encarceramento, recusava-se a sair porque temia o mundo lá fora. As muralhas da prisão, ao mesmo tempo em que
cerceavam sua liberdade, davam-lhe a segurança de estar num mundo que conhecia
– o sujeito estava institucionalizado,
nas palavras do personagem de Morgan Freeman.
Quem
acha esse um caso triste, mire-se no espelho e veja se não está, de alguma
forma, na mesma situação! Emparedado num casamento infeliz, numa empresa que
odeia, numa profissão da qual se sente escravo, jungido a uma aparência de
sucesso ou símbolos de status que na
verdade não possui – mas dos quais é possuído.
Esse
aconchego criado pelas organizações, ao mesmo tempo que atende às necessidades
primárias do indivíduo, suga, como um vampiro mal disfarçado, sua capacidade
crítica e de resistência. São raros os que percebem isso e reúnem força e
coragem para escapar. Como informa O’Neil, citado acima, sobre seu desligamento
da AT&T, onde foi executivo: “Apesar de meu desconforto, o tempo que passei
na AT&T foi inestimável (...). Mas o que afinal, me levou a sair, foi o
fato de a AT&T ser tão segura a ponto de tornar-se sufocante”.
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A
vida é nossa grande e principal empreitada. O que fazemos dela ao longo da
viagem é o que vamos colher na estação final.
Já
se questionou sobre o que é sucesso e
felicidade para você? Ou se deixa, bobamente, levar pelo que os outros ditam
como sendo sucesso e felicidade?
Da
última vez que pulou como desvairado, gritando “Quero ser bem sucedido! Quero
ser feliz!”, você sabia exatamente o que queria, ou era apenas tangido, como
gado no rebanho, pela vara de algum guru de ocasião, também ele, possivelmente,
perdido nas próprias ilusões (mas, maquiavelicamente, sabendo do domínio que
exercia sobre a massa)?
Você
realmente sabe o que quer da vida, ou só, quer... sem saber o quê?
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Notas:
*
O autor é Mestre em Administração, bacharel em Filosofia; trabalha com
desenvolvimento de pessoas, empregando processo de coaching. Contatos: www.jlourenconeto.com.br
/ lourenco@jlourenconeto.com.br.
1.
John R. O’Neil – O
Paradoxo do Sucesso; ed. Cultrix/Amana.
2.
No livro (obrigatório!) Imagens da Organização (Ed. Atlas).