História do Mundo Sem as Partes Chatas
(Trecho do livro)
A vida na
Terra: 3,5 bilhões a.C.
A Terra tem 4,54 bilhões de anos. E só levou cerca de um bilhão
para desenvolver as primeiras formas de vida, o que não é nada mau, se
considerarmos que as crianças levam quase o mesmo tempo para aprender a amarrar
os sapatos. O sistema solar ao redor havia se fundido em grandes blocos de
rocha que flutuavam sem direção através do vácuo. A própria Terra foi criada
quando esses blocos colidiram uns com os outros em explosões violentas e
desordenadas: um padrão de reprodução que a raça humana adotou a partir de
então. Durante mais ou menos o primeiro bilhão de anos, ela ficou borbulhando
como rocha derretida e enxofre, mas com o tempo esfriou e se tornou um oceano
viscoso de água morna e aminoácidos. Essa assim chamada sopa primordial1
continha os ingredientes básicos que originavam algumas formas de vida. Isso
aconteceu durante a Era Pré-Cambriana, que durou de uns poucos bilhões até 540
milhões de anos a. C.
A primeira forma de vida nesse oceano primordial não foi nada de
espantoso, digno de aparecer nas manchetes dos jornais sensacionalistas, mas
sim minúsculas bactérias unicelulares conhecidas como procariontes. Essas se
alimentavam das moléculas que flutuavam no mar primitivo e, por meio do seu
metabolismo, produziam sulfeto de hidrogênio, um gás causticante com cheiro de
ovo podre. Desnecessário dizer que tinham certa dificuldade para arranjar um
parceiro e precisavam recorrer à divisão celular, ou mitose, para a reprodução.
As conversas ao redor das cumbucas de sopa eram assim:
“Deus do Céu, Jeff. Você acaba de metabolizar aqui de novo? Não
consegue simplesmente se conter?”
“Não comece, Peter. Mary está me perturbando o dia inteiro por
causa disso. Ela diz que quer se dividir.”
“De novo? Quantos filhos essa mulher quer ter?”
Como muitos rejeitados, Jeff e seus amigos procariontes se
consolavam se empanturrando de sopa. No entanto, a vida amorosa deles era tão
desesperadora que, com o tempo, a sopa começou a ficar escassa – o que gerou
filas enormes no supermercado. Essa foi a primeira crise ecológica da Terra
causada pelo consumo não consciente.
Como reação a essa crise, surgiu um novo tipo de célula – a alga
azul-esverdeada –, capaz de absorver luz diretamente do Sol para produzir sua
própria comida. (Garota esperta essa alga, hein? E ecologicamente correta!)
Esse processo – a fotossíntese – gerava como subproduto o oxigênio, que trazia
o benefício adicional de ser venenoso para os procariontes fedorentos como
Jeff. A lenta acumulação de oxigênio por fim começou a alterar a composição da
atmosfera da Terra, até que se atingissem as proporções respiráveis de hoje.
Também criou a camada de ozônio, que agia como um escudo para proteger a Terra
dos poderosos raios ultravioleta do Sol, possibilitando, com o tempo, que as
algas tomassem banho de sol de topless em luxuriantes praias tropicais. Chique,
não?
Com os procariontes morrendo ou sendo obrigados a se esconder em
becos escuros, sobrou mais espaço no mundo para gente nova aparecer. Foi
necessário que se passassem mais meio bilhão de anos para que isso acontecesse,
mas com o tempo surgiram organismos unicelulares mais sofisticados, como as
amebas, que podiam se gabar de ter os seus próprios núcleos e cromossomos. Isso
possibilitou uma forma mais complexa de mitose, que abrangia os princípios
biológicos básicos da reprodução sexual, um ponto de considerável orgulho para
as amebas. Então, depois de aproximadamente outro bilhão de anos, em 650
milhões a. C., chegaram os primeiros organismos multicelulares, como os vermes
e as águas-vivas. A partir daí, a coisa virou uma festa!
A Terra tinha evoluído consideravelmente, passando a se parecer
mais com o lugar que conhecemos hoje. Havia bem menos atividade vulcânica no
único supercontinente da Pangeia, que com o tempo acabou de fragmentando e
dando origem a dois gigantescos continentes chamados Gondwana e Laurásia2.
Seguiu-se uma proliferação de vida vegetal, e grande parte da massa de terra
foi coberta por florestas e pântanos. Também surgiram os animais, primeiro os
aracnídeos e os insetos, e depois os répteis e os mamíferos.
Então, por volta de 250 milhões a. C., no período chamado de
Permiano-Triássico, quase tudo morreu. Depois de tanto trabalho em todos esses
bilhões de anos. Enfim, os cientistas não sabem exatamente o que causou a
extinção em massa, mas, segundo a teoria mais recente, foi tudo culpa de um
perigoso vulcão na Sibéria (possivelmente controlado secretamente pelos russos
ou alguma raça alienígena desconhecida, o que dá no mesmo). Seja qual for a
verdade, ao longo de um período de um milhão de anos, aproximadamente 95% de
vida a vida marinha e 70% da vida terrestre pereceram. E olha que nós, seres
humanos, nem estávamos lá para provocar um desastre ecológico dessas proporções!
Depois de 4 bilhões e meio de anos de incansável evolução, a Terra
estava compreensivelmente desapontada com essa reviravolta e flertou por um
breve período com a ideia de desistir completamente da vida e se dedicar à
carreira de asteroide assassino de planetas. No entanto, por sorte, nosso velho
planeta azul era feito de um material resistente e logo contra-atacou com a
fórmula perfeita: dinossauros!
A era dos
dinossauros: 245 milhões a. C.
A Era dos Dinossauros foi sem dúvida a época mais legal da história
da Terra, e isso inclui a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra. Na verdade, os
dinossauros eram tão legais que, aos 36 anos de idade, eu ainda gostaria de ser
um. Esses poderosos animais dominaram a Terra durante 165 milhões de anos, que
é aproximadamente 164,9 milhões de anos a mais do que os seres humanos
conseguiram até agora, e eles só morreram quando foram acertados em cheio por
um gigantesco meteorito, que caiu na Península de Yucatán, no México. Até a
maneira como foram extintos foi legal.
Os paleontólogos descobriram milhares de fragmentos de fósseis
espalhados pelo mundo, o que os levou a acreditar que deveria haver milhões
dessas criaturas apavorantes vagando pela Terra3. Uma explicação
sobre isso seria muito extensa, complicada e quase tão maçante quanto, digamos,
a paleontologia em si. Vamos, portanto, seguir o exemplo dos mais conceituados
especialistas em dinossauros e restringir nosso relato ao seguinte:
Os cinco
dinossauros mais legais de todos os tempos (em ordem decrescente para aumentar
a tensão)
Em quinto lugar temos o triceratope. O triceratope é mais famoso
por ser sempre (em qualquer livro sobre dinossauros que você possa encontrar)
retratado lutando com um tiranossauro rex. Geralmente, o rex está tentando
arrancar, com a boca, a cabeça do triceratope, enquanto o bravo “ceratópsio”
está golpeando loucamente a coxa do inimigo com um chifre. Ninguém sabe quem
vencia essas lutas, mas, com base na força óssea e no armamento ofensivo, os
paleontólogos chegaram à conclusão de que era quase certamente um dos dois.
Além disso, não sabemos muita coisa a respeito dos triceratopes, a não ser que
eles talvez fossem parecidos com os rinocerontes que definitivamente estão
entre os animais mais legais por aqui hoje em dia. (Dá pra não se apaixonar
pela Saura, a triceratope de Em Busca do
Vale Encantado?)
Estrelando esplendorosamente em quarto lugar, temos o
giganotossauro. (Não, não estamos falando de nenhum lutador marombado, não.
Ainda estamos falando dos superlagartões.) Como você provavelmente já imaginou
a esta altura, ele era um lagarto (“saurus”) gigantesco. Na realidade, ele é o
maior dinossauro carnívoro descoberto até agora, um metro e vinte mais longo do
que o tiranossauro rex e três toneladas mais pesado. Como se isso já não fosse
o suficiente para classificá-lo automaticamente entre os cinco dinossauros mais
maneiros, ele também tinha um cérebro em forma de banana. Aplausos para o
giganotossauro!
Em terceiro lugar vem o maior dinossauro de todos os tempos, o
ultrassauro. Não poderia ser o nome de algum monstro de anime japonês?
Ultrassauro também se parece com um nome que os paleontólogos criariam durante
uma discussão, quando estivessem de porre, a respeito de quem havia descoberto
o melhor dinossauro.
“Ei, adivinha? Descobri um ultrassauro outro dia...”,
vangloriava-se o paleontólogo número 1, iniciando uma rodada.
“É mesmo? Bem, eu descobri um supersauro ontem”, contra-ataca
rapidamente o paleontólogo número 2.
“Ah, isso não é nada!”, interrompe um terceiro. “No ano passado,
descobri um superdupersauro!”
Nesse momento, um quarto paleontólogo entra no boteco com um fóssil
do tamanho de Manhattan e diz: “O que vocês acham disto? Hein? Eu o chamo de
Fabulomegaultrasupersauro”, e por aí vai... Apesar do seu nome idiota, com
trinta metros de comprimento e cinquenta de altura, o ultrassauro ainda
reivindica o direito de ser chamado de a maior criatura que já caminhou pelo
nosso planeta., E ninguém pode contestar isso. Por enquanto...
O segundo dinossauro mais bacana que já viveu é, certamente, o
tiranossauro rex, o chamado “rei tirano”. Durante um longo tempo, o T-rex foi
considerado pelos paleontólogos a quintessência da “dinossauridade”, o tipo de
réptil que levariam com eles para com o bar se quisessem impressionar as
garotas4. Todavia, recentes controvérsias enfraqueceram a sua
reinvindicação ao trono. Críticos como o professor Jack Horner, da Montana
State University, nos Estados Unidos, argumentam que os lobos olfativos de
tamanho exagerado do T-rex, a sua velocidade relativamente lenta e os braços
francamente ridículos o tornavam mais adequado para vasculhar o lixo em busca
de alimento do que para caçar. Em vez de considerá-lo uma máquina mortífera nobre
e poderosa, Horner define o rex como um frangote lento, fedorento e revirador
de lixo. No entanto nem todo mundo concorda com isso, e em uma famosa refutação
ao argumento de Horner, o acadêmico de Cambridge Richard Metcalf fez a seguinte
declaração em 2008: “Um dia o professor Jack Horner estava sentado num canto
comendo um pedaço de panetone quando de repente meteu o dedo dentro da iguaria,
tirou dali uma uva-passa e gritou: ‘Não sou demais?’ Que espécie de
paleontólogo é esse?”. A questão continua em aberto.
Isso nos conduz ao primeiro colocado. Depois de muita deliberação
e dor de cabeça, examinando no último instante recursos de muitas outras
espécies conhecidas como vulcanodon e o zigongossauro, o prêmio de melhor
dinossauro vai para... o deinonico. O deinonico foi o dinossauro mais mortífero
que já viveu sobre a Terra. Citando apenas um desses especialistas: “O
deinonico foi o dinossauro mais mortífero que já viveu sobe a Terra”. Era um
monstrinho tão terrível que faria até o Godzilla fugir gritando de medo.
O deinonico era rápido, ágil, poderoso, tinha uma visão aguçada e
era o mais inteligente de todos os dinossauros. Seu nome vem do grego, e
significa “garra terrível”. Contrastando com os braços patéticos do
tiranossauro rex, ele tinha três enormes garras curvas em cada mão, bem como
garras menores nos pés. Ele caçava em grupo, o que possibilitava que matasse
até mesmo enormes saurópodes. Ele era, em resumo, um monstro, e muito, muito
mais legal do que qualquer coisa da, digamos:
A era dos
mamíferos: 65 milhões a. C.
Se a era dos dinossauros tinha sido o momento de maior orgulho na
história da Terra até então, a sua sequência imediata foi, sem dúvida, o mais
constrangedor. Depois que os dinossauros foram exterminados pelo gigantesco
meteorito, a Terra foi dominada durante algum tempo por – veja só – grandes
pássaros que não voavam. Com a maioria dos assustadores répteis mortos, os
cientistas acreditam que os pássaros propriamente ditos – isto é, aqueles que
podiam de fato voar – tenham descoberto que a comida passou a ser tão abundante
e fácil de obter que eles podiam simplesmente saltar de um lado para o outro no
chão até encontrá-la. Fartando-se de comida e se tornando cada dia mais burros,
esses grandes pássaros com o tempo, ficaram tão gordos e preguiçosos que
literalmente não conseguiam mais se erguer do chão. A coisa permaneceu assim
durante 20 milhões de anos, até que, finalmente eles foram obrigados a dar
lugar a criaturas que efetivamente faziam alguma coisa para viver. Esses novos
e poderosos animais eram os mamíferos, cuja dominância tem permanecido
insuperável até hoje.
Na época dos dinossauros, havia várias espécies de mamíferos, mas
somente na forma de criaturas pequenas, parecidas com roedores, que passavam a
maior parte do tempo se escondendo, o que era supostamente o que estavam
fazendo quando o meteorito atingiu o nosso planeta. Com os dinossauros fora de
circulação, contudo, esses minúsculos, digamos, “camundongos” saíram dos seus
esconderijos para brincar e aproveitaram a oportunidade para crescer e mudar de
forma. Em pouco tempo (bem, alguns milhões de anos na verdade), havia
elefantes, rinocerontes, leões, mamutes e tigres-dentes-de-sabre vagando pela
Terra – não tão irados quando os dinossauros, mas bem melhores do que os
pássaros preguiçosos, que nem conseguiam mais voar.
A diversificação dos mamíferos foi favorecida pela posição dos
continentes, que a essa altura tinha se espalhado e se transformado mais ou
menos no que conhecemos hoje. Durante parte da era dos dinossauros, havia
apenas uma enorme massa de terra, o ultracontinente conhecido como Pangeia
(“Toda-Terra”), que tornou as primeiras Olimpíadas dos dinossauros uma questão
bastante unilateral. Eles depois se dividiram naqueles dois continentes de nome
psicodélico que já mencionamos, Laurásia e Gondwana. Agora, contudo, graças à
invenção das placas tectônicas, os continentes tinham se separado ainda mais e
a evolução pôde prosseguir livre, leve e solta nas regiões mais segregadas
desse admirável mundo novo. Com as formas de vida no mundo ficando cada vez
mais diferentes, até mesmo animais flagrantemente ridículos como o emu
encontraram um lugar ao sol para descansar o esqueleto.
No entanto nem tudo correu às mil maravilhas para os mamíferos, já
que pequenos transtornos secundários como as idades do gelo contribuíam para
extinguir espécies em intervalos regulares. O último deles ocorreu no período
conhecido como Pleistoceno, que por acaso é a única época da história da Terra
em que as crianças devem ser advertidas para não colocar a mão na boca. São
fósseis demais! Já pensou quantos milhares de partículas pré-cambrianas e
dinossáuricas, entre outras coisas jurássicas e mesozoicas, poderiam existir
num reles micrograma de poeira pleistocena? Essa época durou de 1,6 milhão a 10
mil anos atrás, embora também tenha sido entremeada por períodos interglaciais,
quando os lençóis de gelo recuavam. Alguns geólogos afirmam que nós estamos
vivendo em uma era interglacial, citando como prova os lençóis de gelo que
ainda cobrem a Groenlândia e a Antártica. Eles advertem que um dia, no futuro,
as geleiras poderão voltar de uma maneira dramática e destrutiva, a não ser que
a humanidade trabalhe em conjunto, borrifando aerossóis, queimando combustíveis
fósseis e incentivando o gado a peidar incontrolavelmente.
Fonte:
REAR, Dave; História do Mundo sem as
Partes Chatas. São Paulo: Cultrix, 2013; págs. 21 a 29.
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Notas:
1. Ainda
considerada uma iguaria no Japão, China e Sudeste Asiático.
2. Receberam
esses nomes nos anos 1960, época das drogas psicodélicas Coisa de cientistas
com a pegada hippie, no velho estilo sexo, drogas e rock’n’roll.
3. Ou uma
criatura bem grandalhona, talvez.
4. Sem sucesso,
é claro, porque tentar impressionar uma mulher com um “bichinho de estimação”
de cinco metros de altura e mais de doze metros de comprimento só pode ser uma
coisa de nerd sem noção, ao estilo
dos personagens do seriado The Big Bang
Theory.
-o-